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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

"Já perdi muito tempo com esta decisão"

Fonte: Jornal Jurid

Recentemente, publiquei neste espaço sentença proferida por um juiz baiano que, em linguagem de crônica, condenava uma grande loja a indenizar um marceneiro que havia comprado um aparelho celular com defeito. Tinha a característica singular de poder ser entendida por qualquer pessoa, por menos letrada que fosse.
Agora publico outra que também exibe caracteres capazes de torná-la referência para outros magistrados - sem entrar no mérito do acerto, ou não, com que agiu seu ilustre prolator.

O juiz Alexandre Morais da Rosa, do Juizado Especial Cível de Joinville (SC), abortou uma ação em que um naturista reclamava R$50,00 que houvera sido obrigado a pagar aos administradores da famosa Praia do Pinho, por conta de dois chuveiros do tipo "lavapés" que seus filhos haviam quebrado. O juiz deixou nu o naturista ao obstar-lhe o acesso à Justiça.

O que chama a atenção na decisão são os fundamentos de que lançou mão o magistrado para estancar o desenvolvimento de uma ação de tão ínfimo valor econômico. Em certa passagem, S.Exª diz que o Poder Judiciário passou a ser "gestor do acesso ao gozo", referindo-se àquilo que chama de "nova maneira de satisfação de todas as vontades, principalmente com novas demandas judiciais". Fala do sentimento geral de vitimização, fazendo uso de uma expressão que tem potencial para se tornar máxima jurídica: "dano moral passou a ser band-aid para qualquer dissabor". Diria eu, sintoma da autocomiseração coletiva, aliás difusa, que vem tomando conta da sociedade. Refere-se a uma certa tendência ao que chama de "direito de conforto", fazendo um paralelo com fenômeno semelhante que vem marcando a medicina. Com outras palavras, conclui que é hora de dar um basta e dizer "não" aos "histéricos da reivindicação".

A questão que se coloca é se deve o acesso à Justiça ceder ao pragmatismo ou se merece continuar navegando no romantismo do mar-sem-fim que é a crença na possibilidade de sua universalização.

O magistrado em tela navega contra a corrente e exerce seu direito de expressar discordância numa discussão esmagada pela "tirania da maioria", para usar palavras dele próprio, referindo-se aos pregadores do "politicamente correto".

Vale a pena perder o precioso tempo para ler esta sentença na íntegra. Por mais que haja "casos muito mais importantes esperando" pela nossa atenção.


"Justifica-se a aceitação de toda e qualquer demanda posta em Juízo?"

Autos n° 038.07.000943-8
Ação: Ação com valor inferior a 40 salários-mínimos/ Juizado Especial Cível
Autor: Marcos Roberto dos Reis
Réu: Complexo Turistico Praia do Pinho Ltda

Vistos, etc.

1 - Marcos Roberto dos Reis promoveu ação contra Complexo Turístico Praia do Pinho Ltda., nos seguintes termos: "No fim do ano no período o requerente ficou hospedado no endereço acima no período de sete dias. Acontece no dia 27 de dezembro o filho do requerente de sete anos de idade quebrou o chuveiro que foi instalado como lava pé no estabelecimento do requerido, e no dia 30 o filho de 04 anos quebrou outro chuveiro. Sendo assim o requerido cobrou o total de R$ 50,00 pelos dois chuveiros quebrados, o qual o requerente pagou e não concordou por o produto era inapropriado para utilização a que se destinava." Requereu, por fim, a devolução da quantia de R$ 50,00.

2 - Por certo o acesso à justiça, difundido por Cappelletti e Garth (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Helen Grace Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988), ganhou um forte impulso com a Constituição da República de 1988 e a criação dos Juizados Especiais Cíveis, apontam, dentre outros, Horácio Wanderlei Rodrigues (Acesso à Justiça no Direito Processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994) e Pedro Manoel de Abreu (Acesso à Justiça & Juizados Especiais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004).

3 - A questão que se apresenta, todavia, é se no Brasil de extrema exclusão social (ALVARENGA, Lúcia Barros Freitas de. Direitos humanos, Dignidade e Erradicação da pobreza: Uma dimensão hermenêutica para a realização constitucional. Brasília: Brasília Jurídica, 1998), em que os recursos e meios para garantia do acesso à justiça são escassos (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001), justifica-se a aceitação de toda e qualquer demanda posta em Juízo?

4 - A resposta, antecipa-se, é negativa. Basicamente por dois motivos: a) Primeiro há uma nova compreensão do sujeito contemporâneo, naquilo que Charles Melman (MELMAN, Charles. O Homem sem Gravidade: gozar a qualquer preço. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003) denominou como "Nova Economia Psíquica", ou seja, desprovidos de referência gozar a qualquer preço passa a ser a palavra de ordem: "A decepção, hoje, é o dolo. Por uma singular inversão, o que se tornou virtual foi a realidade, a partir do momento em que é insatisfatória. O que fundava a realidade, sua marca, é que ela era insatisfatória e, então, sempre representativa da falta que a fundava como realidade. Essa falta é, doravante, relegada a puro acidente, a uma insuficiência momentânea, circunstancial, e é a imagem perfeita, outrora ideal, que se tornou realidade." (p. 37). E isto cobra um preço. Este preço reflete-se na nova maneira de satisfação de todas as vontades, principalmente com novas demandas judiciais. E o Poder Judiciário ao acolher esta reinvindicação se põe à serviço do fomento perverso, sem que ocupe o lugar de limite. Passa a ser um gestor de acesso ao gozo. Se a realidade de exclusão causa insatisfação, se o outro olhou de maneira atravessada, não quis cuidar de mim, abandonou, coloco-me na condição de vítima e reivindica reparação, muitas vezes moral. Sem custas, na lógica dos Juizados Especiais, a saber, sem pagar qualquer preço. Aliás, dano moral passou a ser band-aid para qualquer dissabor, frustração, da realidade, sem que a ferida seja cuidada. Pais que demandam indenização moral porque não podem ver os filhos, filhos que querem indenização moral porque os pais não os querem ver. Maridos e Mulheres que se separam e exigem dano moral pela destruição do sonho de felicidade. Demandas postas, acolhidas/rejeitadas, e trocadas por dinheiro, cuja função simbólica é sabida: pago para que não nos relacionemos. Enfim, o Poder Judiciário ocupa uma função repatória, de conforto, como fala Melman: "O direito me parece, então, evoluir para o que seria agora, a mesmo título que a medicina dita de conforto, um direito de conforto. Em outras palavras, se, doravante, para a medicina, trata-se de vir a reparar danos, por exemplo os devidos à idade ou ao sexo, trata-se, para o direito, de ser capaz de corrigir todas as insatisfações que podem encontrar expressão no nosso meio social. Aquele que é suscetível de experimentar uma insatisfação se vê ao mesmo tempo identificado com uma vítima, já que vai socialmente sofrer do que terá se tornado um prejuízo que o direito deveria - ou já teria devido - ser capaz de reparar." (p. 106). Para este sujeito que reinvindica tudo histericamente é preciso dizer Não. b) Segundo: pelos levantamentos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um processo custa, em média, mil reais. Sobre isto é preciso marcar alguma coisa. Por mais que discorde da base teórica lançada por Flávio Galdino (GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005), não se pode negar que o exercício do direito de demandar em Juízo "não nasce em árvore." O manejo de tal direito pressupõe um Poder Judiciário que dará movimentação ao pleito, com custos alarmantes e questões sociais sérias emperradas pela banalização do Direito de Ação. Neste Juizado Especial Cível (Joinivlle - SC), existem cerca de 25.000 (vinte e cinco mil) ações em tramitação. Um único juiz. Impossível que se promova, de fato, a garantia do acesso à Justiça, ainda mais quando o sujeito quer satisfazer judicialmente questões de outra ordem, na lógica do: não custa nada mesmo; irei incomodar o réu.

5 - É o caso dos autos. O autor reconhece que estava com seus filhos de 07 e 04 anos no Camping da Praia do Pinho, local destinado ao naturismo, com acesso e freqüência à praia de nudismo (http://www.praiadopinho.com.br/site/camping.php), quando estes quebraram o lava pé. Por acreditar que não era apropriado pretende o dinheiro - 50 (cinqüenta) reais. O genitor é responsável pelos atos, inclusive de vandalismo, de seus filhos, na forma do art. 932, I, do Código Civil. Não nega que seus filhos, no camping, na praia de nudismo, quebraram, por duas vezes, o lava pé. Não concorda e quer a devolução dos dinheiro pago. O pleito é absolutamente abusivo, sem fundamento e, se mantida a audiência de conciliação, implicará no deslocamento do réu até Joinville, com investimento maior do que o pretendido. Dito de outra forma, além de manifestamente improcedente, os custos gerais (Judiciário e parte contrária) são muito maiores do que o objeto pretendido. Roberto Carlos de Oliveira, aguerrido Defensor Público da União, em monografia sobre o tema, conclui, com acerto: "Não se pretende com este trabalho difundir a vedação do acesso à Justiça àqueles que vêem o Judiciário como última esperança na solução de seus litígios; muito pelo contrário. Pretende-se, na verdade, buscar a otimização da entrega da resposta judicial. E isso, em nosso entendimento e em sede de Juizados Especiais Cíveis, passa obrigatoriamente pelo condicionamento do acesso à Justiça (strictu sensu)."

6 - O preço perverso da ausência de limites implica na abolição do não, de partir para o ato desprovido de instâncias repressivas. Em nome do "politicamente correto", da democracia, da autonomia liberal, do irrestrito acesso à Justiça, da alteridade extremada, tudo é possível. A tarefa parece ser dizer não para que não nos tornemos co-responsáveis. Isto é, a tirania da maioria esmaga uma discussão em que se discorda, tudo em nome do politicamente correto. Uma das primeiras coisas que se deve aprender na vida é que há troca. Gente que vive sem troca é solta, sem gravidade, aponta Melman. Reivindica histericamente por tudo e todos. Nada está bom. É irresponsável por seus atos, sempre se acha vítima. É preciso que o Judiciário dê um basta. Fico por aqui porque já perdi muito tempo nesta decisão. Há casos muito mais importantes esperando...

Por tais razões, julgo extinto o feito, na forma do art. 267, VI, do CPC, pela manifesta ausência de interesse de agir. Sem custas. P. R. I. Transitada em julgado, arquive-se Joinville (SC), 30 de janeiro de 2007. Alexandre Morais da Rosa, juiz de Direito
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Com as vergonhas escondidas por folhas rasgadas de livros jurídicos, o autor ainda pode interpor recurso às Turmas Recursais Cíveis. Leia a Sentença

Fonte: Extraído do site www.espacovital.com.br.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Lojas Marisa condenadas em R$ 30 mil por revista constrangedora

14/02/2007 06h03

A estratégia de uma gerente para identificar a autora de uma brincadeira de mau gosto no banheiro de uma loja custou à rede Marisa Lojas Varejistas Ltda. a condenação ao pagamento de R$ 30 mil por dano moral a uma vendedora. A decisão foi mantida depois que a Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento (rejeitou) a agravo de instrumento da empresa. O ministro João Oreste Dalazen rejeitou a pretensão da defesa de adotar o tempo de serviço e o salário da empregada como parâmetros para a fixação da indenização.

O episódio aconteceu numa das lojas Marisa em Porto Alegre (RS). De acordo com a petição inicial da reclamação trabalhista, após encontrar um absorvente higiênico colado na parede do banheiro da loja, uma das gerentes teria procedido a uma revista íntima das funcionárias e em seus armários, a fim de identificar aquelas que estariam fazendo uso de absorvente. Segundo os depoimentos colhidos pela Vara do Trabalho, cerca de 20 empregadas estavam no banheiro quando a gerente disse que faria as revistas. “Cada uma mostrava o armário e depois baixava as calças, na frente de todas as outras funcionárias”, registra um dos depoimentos.

Algumas depoentes disseram que algumas se sujeitaram espontaneamente à revista, e que “estava uma algazarra no banheiro”. O fato foi denunciado ao sindicato da categoria e ao Ministério do Trabalho, e várias reuniões foram realizadas na tentativa de solucionar o impasse. O valor fixado pela Vara do Trabalho para a indenização foi de R$ 52 mil. A rede Marisa recorreu contra a condenação ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), sustentando que a gerente não coagiu qualquer funcionária a tirar a roupa e que “o fato foi tomado como brincadeira”.

Para o TRT/RS, porém, “a existência do constrangimento é manifesta e é revelada pelas testemunhas da própria empresa, ainda que algumas colegas possam ter enfrentado o fato em clima de brincadeira e algazarra”. O Regional manteve a condenação, mas reduziu o valor para R$ 30 mil, negando seguimento ao recurso da Marisa ao TST, o que motivou o agravo de instrumento. Nas razões do agravo ao TST, a rede de lojas alegou que o valor “não teria observado os critérios de proporcionalidade e razoabilidade”, já que a empregada teria trabalhado pelo período de um ano, com salário de R$ 433,00. A empresa pretendia a aplicação analógica dos critérios fixados no artigo 478 da CLT, relativo à rescisão de contrato por prazo indeterminado, que prevê indenização em quantia igual à maior remuneração do empregado, multiplicada pelo número de anos igual ou superior a seis meses de serviço.

Para o ministro João Oreste Dalazen, esse critério é “indefensável”, pois importa “malbaratar os bens preciosos da personalidade” ofendidos pelo dano moral. “Vinculado o valor ao tempo de serviço, obviamente deprecia-se o dano moral causado ao empregado mais recente, consagrando o critério esdrúxulo e simplista de valorar mais ou menos os bens espirituais da pessoa ao sabor da antigüidade e da maior ou menor remuneração”, afirmou. O relator ressalta que, “sob tal ótica, além de o valor geralmente não inibir novas agressões, chegar-se-ia ao absurdo de o empregado com menos de um ano de serviço não fazer jus a compensação alguma pelo dano moral, porque igualmente não seria beneficiário de indenização por antigüidade (artigo 478, § 1º da CLT)”.

O TRT/RS, ao estipular a condenação em R$ 30 mil, “pautou-se pelos critérios de razoabilidade e de proporcionalizada, pois, da forma como foi fixada, a indenização atende às finalidades buscadas pela lei e pela Constituição, ou seja, a satisfação da vítima e a punição do agente por prática de ato ilícito”, concluiu Dalazen. (AIRR 813/2004-030-04-40.6)

Fonte: TST