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quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Assembléia Legislativa: amarrada e amordaçada

Luís Antônio Albiero (*)

O princípio republicano da separação de poderes vem sendo iterativamente solapado no Estado de São Paulo, no âmbito das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo, contando com a apatia – se não complacência – do Judiciário. São inúmeros os exemplos, os quais vêm-se multiplicando já não é de hoje. Basta ver a enorme dificuldade que os deputados estaduais paulistas tiveram que enfrentar para instalar as primeiras (e insossas, na maioria) comissões parlamentares de inquérito.

O mais interessante é notar que esse processo de aniquilação da Assembléia Legislativa mediante a sufocação dos parlamentares – não apenas dos de oposição, mas também dos da situação -, que é patrocinado pelo Palácio dos Bandeirantes, é acintosamente conduzido por alguns dos mais expressivos membros do próprio Parlamento.

No caso das CPIs, o Partido dos Trabalhadores precisou recorrer ao Supremo Tribunal Federal, a cuja apreciação submeteu uma ação direta de inconstitucionalidade, por meio da qual removeu um entrave regimental que submetia a criação de comissões parlamentares de inquérito à aprovação da maioria da Assembléia. O Supremo, como lhe cumpria, reconheceu e proclamou que criar e instalar CPI é direito da minoria. O Ministro Celso de Mello chegou a falar em "direito da oposição", salientando que este não pode sujeitar-se a manobras da bancada majoritária aliada ao governo.

Pouco adiantou, porém, o êxito da ação. A tropa de choque do governador, à época Geraldo Alckmin, adotou o critério da "ordem cronológica" para instalação das comissões criadas, valendo-se do fato de que, por ocasião da decisão do Supremo, já havia uma fila de setenta requerimentos de CPI engavetados.

Nesse meio tempo, parlamentares petistas recorreram por diversas vezes ao Tribunal de Justiça de São Paulo, via mandado de segurança, na defesa de suas prerrogativas, ao argumento de que seu direito subjetivo líquido e certo de fiscalizar os atos do Executivo vem sendo violado por ilegalidade praticada pela Presidência da Casa.

O TJ, em duas ocasiões, secundou o entendimento do Supremo de que "CPI é direito da minoria", mas adotou a esdrúxula decisão de determinar ao presidente da Assembléia (apontado como autoridade coatora nos referidos processos) que instalasse imediatamente "as CPIs pendentes", até o limite máximo de cinco que o Regimento Interno prevê para funcionamento concomitante. Note-se que os 25 desembargadores do Tribunal de Justiça que integram o Órgão Especial (que faz as vezes do Pleno) acabaram por julgar além do pedido (que se restringia à instalação das CPIs precisamente indicadas, como a da Nossa Caixa, e não a todas as "pendentes"). Para tanto, o Tribunal valeu-se da surrada desculpa de que o tal critério da "ordem cronológica" seria "ato interna corporis", assim recusando-se a reconhecer, nele, o evidente expediente malicioso da maioria governista para sacrificar o direito da minoria, de raiz constitucional.

Com o final da legislatura anterior e início da atual, em 15 de março deste ano, pereceram todos os setenta requerimentos de criação de CPI que jaziam na gaveta da presidência, mas os governistas não perderam tempo. Na velocidade da luz, criaram nova "fila", que já soma quinze requerimentos à frente do único para o qual a oposição obteve o número mínimo de assinaturas, que tem por objetivo investigar graves irregularidades verificadas na CDHU. Em função disso, há em curso novo mandado de segurança por meio do qual o líder Simão Pedro e todos os demais deputados que compõem a bancada petista pedem a instalação da CPI da CDHU. Nele pedem, pela denominada via difusa (em caráter incidental, portanto), que o Tribunal de Justiça reconheça a inconstitucionalidade do limite de cinco CPIs, de modo que lhe dê, ainda que sem supressão de texto, interpretação conforme à Constituição. Em outras palavras, os impetrantes querem ver reconhecido que o limite regimental não pode levar em conta as dezenas de CPIs artificialmente propostas pelos aliados com o claro propósito de esgotar o número máximo de comissões concomitantes.

Mas as artimanhas da base aliada não se limitam a apenas barrar CPIs, nesse inegável processo de blindagem do governador que favoreceu Alckmin e hoje protege José Serra. Recentemente, assim que assumiu a presidência da Casa, o presidente Vaz de Lima editou um ato, veiculado na forma de resposta a uma questão de ordem formulada por deputada da base (Maria Lúcia Amary, do PSDB), por meio do qual eliminava a fase da "discussão" dos projetos enviados com solicitação de urgência constitucional, bem como dos que tratavam da apreciação dos vetos do governador. Nesse caso, a atitude do presidente encontrou pronta resistência de deputados da própria base governista, o que dispensou a bancada petista, ao menos por ora, de recorrer mais uma vez ao Poder Judiciário para defender a prerrogativa mínima de todo parlamentar, que é a de "parlar", ou seja, de expressar sua opinião sobre quaisquer projetos submetidos ao seu exame.

A Constituição Federal, no seu artigo 53, é claríssima ao estatuir a inviolabilidade dos deputados e senadores por suas "opiniões, palavras e votos". Não se trata, a toda evidencia, de apenas criar imunidade civil e penal aos parlamentares, mas, antes de tudo, de proclamar que estes têm o direito de expressar sua opinião e manifestar seu voto em todos os projetos que lhes sejam dados a exame.

Mas ainda há mais. O governador José Serra vem usando – e abusando – da faculdade que lhe confere o art. 26 da Constituição Federal de solicitar urgência em projetos de sua autoria, a chamada "urgência constitucional". Ao ver do Presidente da Casa, basta ao governador "solicitar" a urgência para que, pronto, estejam supridas todas as exigências regimentais, restando aos deputados o prazo de apenas uma sessão (um dia, portanto) para apresentar emendas de pauta. E, se não houver deliberação no prazo de 45 dias, o projeto irá direto à ordem do dia, para votação com preferência sobre os demais (com risco de, a qualquer momento, vir a ser ressuscitada a determinação de supressão da fase da respectiva discussão).

Essa prática desconsidera que o verbo "solicitar", cunhado na mal compreendida Carta Magna, significa pedir, requerer; não tem, portanto, caráter impositivo, de aceitação automática, de modo que está a exigir que a solicitação seja apreciada pela Casa, que pode acatá-la ou rejeitá-la.

O regimento interno da Assembléia estabelece um rito a que denomina ordinário, a par de outros que, por lógica, são extraordinários. É dentre estes que está o regime da urgência constitucional, cujo caráter extraordinário, por conseqüência, não pode ser desconsiderado. Por tantas vezes reiterada, porém, a prática que vem sendo adotada pela presidência acaba por transformar em ordinário o que é excepcional.

Tem-se assistido ao paradoxo de os projetos de iniciativa do governador seguirem o rito de urgência constitucional, ou seja, sem prévio exame de admissibilidade da solicitação, enquanto que os requerimentos de igual urgência efetuados em projetos de iniciativa dos próprios parlamentares são (estes sim!) submetidos à prévia votação. Quer-se prova maior da subserviência do Poder Legislativo paulista ao Executivo do que a genuflexão com que o primeiro tem reiteradamente reverenciado o segundo?

A modalidade mais grave, porém, de ruptura do modelo republicano de separação de poderes é a que vem adotando o próprio governador, como protagonista único e, ao que parece, sem objeção dos seus aliados da Casa. Consiste na edição de decretos por meio dos quais Sua Excelência vem legislando sobre matérias que, de acordo com a Constituição Estadual, deveriam ser objeto de projetos de lei, que a ele caberia apenas iniciar, submetendo-os ao exame e voto do parlamento. O caso mais significativo foi o dos decretos por meio dos quais o governador extinguiu a Secretaria de Turismo e, a pretexto de apenas modificar-lhe o nome, na prática criou a Secretaria de Ensino Superior.

Na ocasião, à parte a discussão (para mim, equivocada) sobre ter sido ou não violado o princípio da autonomia universitária, o governador cometeu ato fraudulento, em grave ofensa à moralidade administrativa, como bem apontado pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari em artigo amplamente divulgado pela imprensa por ocasião da recente ocupação da reitoria da USP empreendida por seus alunos. Por isso, e com base na brilhante e percuciente avaliação jurídica elaborada pelo renomado catedrático, o líder Simão Pedro e todos os demais integrantes da bancada petista ajuizaram ação popular, que se acha em trâmite pela 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, apontando a ocorrência de todas as cinco hipóteses que, segundo a lei respectiva (lei 4717/65), ensejam esse tipo de ação: incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade.

Enfim, há uma séria crise institucional instalada no parlamento paulista, que se vem arrastando há alguns anos, em que todos os seus integrantes – especialmente os de oposição – estão sendo amordaçados e de mãos atadas por obra e graça do chefe do Executivo paulista, mas com inegável e intolerável leniência dos próprios (des)interessados. Com exceção, claro, dos oposicionistas, que vêm tentando livrar-se das amarras e mordaças, mas que se têm deparado com a muralha intransponível da apatia (para dizer o mínimo) das autoridades judiciárias paulistas.

(*) Advogado, assessor jurídico da Liderança do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo

sábado, 1 de setembro de 2007

Um governador de “gabarito”

Luís Antônio Albiero
Assessor jurídico da bancada do PT na Alesp


A bancada do PT, capitaneada pelo líder Simão Pedro, ajuizou ação popular com o objetivo de obter o reconhecimento de que são nulos os dois primeiros decretos que o governador José Serra editou já no mesmo dia de sua posse, em 1º de janeiro de 2007.

O primeiro deles anunciou, segundo consta de seu texto, a singela alteração de denominações de secretarias, circunstância que, numa leitura superficial, pareceu estar conforme às regras do direito administrativo. O segundo deles, porém, permitiu enxergar a profundidade daquilo que o primeiro tentava esconder. Por ele, o governador concebeu toda a estruturação da agora denominada secretaria de ensino superior. Vale dizer, criou dita secretaria, e não apenas reformulou a antiga, de turismo, como o decreto anterior pretendia fazer crer.

Uma reflexão acerca do primeiro decreto já permitia ao menos indagar se é mesmo possível apenas trocar o nome de uma secretaria de “turismo” para “secretaria de ensino superior” sem lhe alterar a substância. No segundo decreto, porém, o governador escancarou suas verdadeiras intenções. A principal delas, sem dúvida, era pôr sob rédeas curtas os reitores das universidades estaduais paulistas, submetendo o CRUESP, a princípio, ao secretário José Aristodemo Pinotti. Enfim, Serra mandou às favas a autonomia universitária, proclamada pela Constituição Federal.

Voltou atrás ao editar novo decreto, dito “declaratório”, fazendo loas à autonomia universitária, mas não desfez o que havia produzido de pior até então: a ruptura do estado democrático de direito. Sua atitude violou o princípio da separação de poderes porque, extrapolando sua competência, usurpou a que é conferida à Assembléia Legislativa paulista. É que Serra, como governador, não tinha e não tem competência para, por meio de decreto, criar a secretaria de ensino superior e extinguir a de turismo. Dispor a respeito dessas matérias é atribuição que a Constituição do Estado de São Paulo reserva à Assembléia Legislativa. Para esse fim, a Carta Política paulista exige lei e concede ao governador competência para apenas iniciar o respectivo processo legislativo.

Ao solapar o princípio da separação de poderes, basilar do estado democrático de direito, Serra atentou contra a moralidade administrativa, sobretudo pela forma dissimulada como agiu, à qual o professor e jurista Dalmo Dallari chamou de “fingimento” e “fraude”. Para casos como esse, a Constituição Federal (art. 5º, inc. LXXIII) põe à disposição de qualquer cidadão brasileiro um instrumento vigoroso, a ação popular, que tem por objetivo a anulação de atos lesivos ao “patrimônio público”, expressão que há de compreender não apenas o erário como também seu aspecto moral. Não há de ser outro o sentido da “moralidade administrativa” a que faz alusão o referido dispositivo constitucional.

A ação popular é regida pela lei 4.717, de 1965, cujo artigo 2º enumera cinco hipóteses de nulidade dos atos administrativos. O governador conquistou o feito de “gabaritar” as cinco, pois seus decretos enquadram-se em todas elas: incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade.

Os decretos de Serra são nulos, em primeiro lugar, como já dito, por sua incompetência para criar secretarias de estado e órgãos da administração, assim como para operar a transformação de cargos, empregos e funções.

São nulos também por ostentarem vício de forma, pois a criação e a extinção de secretarias, assim como cargos e funções, como visto, há de operar-se por meio de lei.

A ilegalidade do objeto, diz a própria lei da ação popular, “ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo”. Ora, nada pode ser mais grave do que a violação de princípios insculpidos na lei das leis, que é a Constituição Federal, a qual consagra a separação de poderes como princípio fundamental da República e de seu regime democrático.

A inexistência dos motivos – diz, ainda, o mesmo texto legal – “verifica-se quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido”. Explicando melhor, no caso concreto, a hipótese diz quanto à inexistência material de diversos dos cargos, órgãos e funções que foram efetivamente criados pelos decretos, mediante falseamento da realidade fática, por meio de simuladas “alteração de denominação” e “transferência”.

Por fim, o desvio da finalidade verificou-se porque o governador, a pretexto de apenas alterar denominação da Secretaria de Turismo, na verdade mirou e alcançou objetivo escuso, qual seja, o de driblar as exigências legais para criar e extinguir secretarias à revelia da Assembléia Legislativa. Ademais, tudo foi feito com o claro propósito de acorrentar os reitores das universidades estaduais paulistas, o que foi desmascarado quando o art. 41 do Decreto 51.461 foi modificado por novo decreto que, nesse particular e ao menos em parte, resgatou a autonomia universitária até então violentada.

Optou-se pela ação popular por ser um remédio jurídico eficaz para o enfrentamento da questão, sobretudo porque a ação direta de inconstitucionalidade, segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, não se presta ao controle concentrado de constitucionalidade de ato que não seja “normativo”, vale dizer, que não tenha caráter de generalidade e abstração. Para controle de normas de efeito concreto, como é o caso, o sistema processual reserva as vias ordinárias, como o mandado de segurança (para proteção de direito subjetivo líquido e certo) e a ação popular (para a anulação de ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa e a outros bens de relevante valor social).

A ação popular ajuizada pelos parlamentares petistas foi distribuída no dia 11 de junho à 3ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo. A juíza, até a presente data, ainda não apreciou o pedido de liminar.


Cabe agora ao Poder Judiciário, mais do que adotar uma postura meramente burocrática, a importante missão de restaurar a legalidade e o próprio estado democrático de direito, assim resgatando a dignidade do Poder Legislativo, aviltada pela atitude de um governador que, revelando seus pendores autoritários já no primeiro dia de seu governo, fez questão de mandar um recado aos parlamentares paulistas sobre quem é que vai mandar neste Estado nos próximos quatro anos.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

A única leitura (realmente) possível

Passado o tsunami que não conseguiu derrubar nem Lula, nem o Partido dos Trabalhadores, ouvi de um juiz de direito o comentário de que já não havia mais partido político digno de sua confiança, eis que era no PT que ele houvera depositado suas esperanças. Tentei explicar a ele que o partido, a despeito de possíveis erros ou mesmo crimes porventura praticados por alguns (hipótese que só admiti em tese, para fomentar o debate), continuava forte, coeso, zeloso dos ideais que ensejaram sua fundação no final dos anos 80. Dizia eu, não era possível condenar os 800 mil filiados por conta de escorregões (sem entrar no mérito se verdadeiros ou falsos, graves ou não) de dois ou três. O juiz me ouviu, mas não pareceu ter levado a sério minhas palavras. Continuou dizendo que havia perdido a esperança no partido e ponto final.

Dia desses passei próximo ao gabinete dele. Tive um comichão de entrar e provocá-lo. Não entrei, não falei com ele. Optei pelo silêncio; não tenho o hábito de tripudiar. Ia dizer que, apesar dos mais recentes acontecimentos envolvendo magistrados de alto escalão, diferentemente dele em relação ao meu partido, eu ainda acreditava no Poder Judiciário.

E tem que ser assim. Não temos saída, senão acreditarmos nas instituições que construímos, nas quais depositamos nossa mais ingênua confiança. Amadurecemos ao descobrir que as instituições, porque humanas, são falíveis. É nossa tarefa resgatar propósitos, retomar caminhos. É nas mazelas - sejam verídicas ou falseadas - que identificamos nossa humanidade, na qual está contida nossa capacidade de nos recompor, de superar nossa inata fragilidade. É na consciência de que somos humanos que podemos alimentar nossos sonhos, nossas esperanças, nossa crença na utopia.

Ao contrário do desânimo que abateu grande parte dos colegas de profissão em razão dos episódios recentes envolvendo operadores do direito, eu prefiro fazer uma leitura otimista. São duas as leituras possíveis: ou a de que o caos nos alcançou finalmente e não há salvação, pois nem em juízes podemos mais confiar, ou a de que, até que enfim, começamos a denunciar, investigar, punir quem até anos atrás parecia intocável, acima da lei e da justiça.

Cresci ouvindo que determinada casta da sociedade, especialmente autoridades, jamais seria responsabilizada e posta atrás das grades porque o Brasil não era um país sério. Não posso, portanto, deixar de regozijar-me ao ver que se enganaram os profetas do caos que tentaram me dar lições de conformismo - que eu, felizmente, recusei. Acredito nesse processo de depuração das instituições que, na essência, é o aperfeiçoamento da própria raça humana.

Por isso, das leituras possíveis, prefiro a que nos permite sobreviver, seguir adiante.

É nessa perspectiva que, por lapidar, transcrevo abaixo a íntegra do artigo que o advogado e jornalista Walter Ceneviva publicou na Folha de São Paulo, na edição de 28 de abril:

Judiciário em choque

Os trabalhadores jurídicos estão em choque provocado pela crise do escândalo em curso. Não os consola dizer que os corruptos são minoria. Mais importante será reconhecer que o escândalo teria menores proporções se os órgãos disciplinadores das profissões envolvidas houvessem sido atentos para indícios e evidências, nos quais é possível caracterizar um começo de ilicitudes e de desmandos para, a partir daí, desenvolver investigações sérias e profundas.

Publiquei nesta mesma Folha, em 19 de agosto de 1979 (sim, há quase 28 anos), "Perspectivas do sistema judiciário brasileiro". Uma das minhas conclusões, perdoada a pretensão, foi profética: "O caos se aproxima". Fiz sugestões corretoras. Nesse velho texto, concluí que as condições então dominantes se revelavam explosivas. E anotei: "O sistema judicial brasileiro precisa acordar para essa realidade. É bom que o faça logo. Até por instinto de sobrevivência digna".

Fui tachado de pessimista. Alguns me viram adversário da magistratura. Não liguei, porque tenho clara visão de que os "operários" da máquina da Justiça são irmãos do mesmo ofício. Todos nós ligamos constitucionalmente a tarefa de dar a cada um o que é seu.

Quando o Judiciário acumula processos, sem os julgar, perdemos todos. Quando se entrega ao Executivo, permitindo que eternize o calote, perdemos todos. Quando os tribunais se fecham sobre si mesmos, recusando-se a averiguar notícias sérias sobre corrupção de seus componentes, quando a Ordem dos Advogados não apura condutas irregulares de seus inscritos, inclusive no despreparo profissional deles, quando o Ministério Público mantém silêncio em face de exageros e injustiças de seus membros, com olhos nas câmeras de televisão, descurando do justo, perdemos todos.

Perdem também a moralidade (exigência do artigo 37 da Constituição) e a ética, ausente nos eventos destes dias. A crise atual tem o lado positivo ao afastar a visão do juiz intocável, nas palavras do ministro Gilmar Dipp, do STJ, em entrevista nesta Folha. O juiz vai ampliar a percepção de que, como agente público, está a serviço do povo, na feliz avaliação de Dipp.

A esperança de dias melhores parecerá oca para quem viva o mundo das nossas justiças injustas, mas a situação atual é diferente. As medidas adotadas pela Polícia Federal com muita qualidade foram abonadas pelo despacho severo, mas justo, do ministro Cesar Peluso. O vazamento que beneficiou os acusados foi o contraponto lamentável, pois ocultaram bens, transferiram valores -segundo a polícia-, mas alguns bons efeitos são notados.

Relendo, contudo, as palavras de 1979 e comparando a descrição, as críticas e sugestões balzaquianas, fico em dúvida quanto à possibilidade da breve melhora estrutural desejada. Juízes, promotores e advogados devem defender sua verdade. Mas isso tem um preço, que não vem sendo pago, da verdade não corporativa na crítica dos comportamentos irregulares. Nesse perfil é natural o destaque do juiz, pois sua sentença concretiza a lei. O juiz inepto é mais fácil de afastar. O corrupto é arisco.

Sobrevive até na indiferença culposa de seus iguais. É preciso reverter o quadro.

terça-feira, 6 de março de 2007

Animais em juízo

Fonte: Espaço Vital

Esta é de matar... de rir! Está velha (é de maio do ano passado), mas vale a pena "curtir" e registrar.

Um estudante de direito residente em Florianópolis (SC) tentou obter uma ordem judicial para a liberação de seu automóvel Fiat Pálio 1977 que estava com seu licenciamento em situação irregular e que por isso fora apreendido. Na impetração, apresentada ao Juizado Especial Criminal, o estudante afirma que seu veículo estava sofrendo "coação ilegal em sua liberdade de ir e vir", o que o levou a impetrar o que chamou de "habeas-carrum". A inusitada situação foi julgada pelo juiz Newton Varella Júnior, do JEC Criminal de Florianópolis (Proc. nº 023.06.032015-2).

Eis os elementos objetivos do caso em tela...

PETIÇÃO INICIAL DO HABEAS CARRUM

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA COMARCA DA CAPITAL/SC

R*** C***, brasileiro, solteiro, estudante de Direito, RG sob n° ***, CPF sob o n° ***, residente nesta Capital, na rua ***, n° ***, bairro centro, vem, respeitosamente, requerer HABEAS-CARRUM a favor de seu veículo Marca FIAT, modelo PALIO, ano modelo 1997, placas **** RENAVAM nº *** pelo que a seguir expõe:

Em 14/05/2006 o veículo em questão foi apreendido pela autoridade policial nesta capital, na rodovia SC – 406 km 14, bairro Rio Vermelho, pelo seguinte motivo: "Art. 230 inciso V – CTB Conduzir o veículo sem que não esteja (sic) registrado e devidamente licenciado". Venho humildemente requerer a liberação do veículo, pois este estava sendo utilizado para ajudar um amigo meu de infância que teve seu veículo MARCA FIAT, MODELO UNO, ANO 96, cor bordo, 4 portas, placas ***, furtado na Avenida das Rendeiras em frente ao Chico´s Bar, na Lagoa da Conceição; não teria sido utilizado se não fosse extremamente necessário; é sabido que as forças policiais não tem condições de fazer diligências, e nem procuram o paradeiro do veículo com o afinco que todos os amigos tem para com os seus. O veículo apreendido estava sendo usado para o bem, não continha drogas, armas ou qualquer outro objeto que causasse dano à sociedade ou a outro veículo, mas ironicamente foi apreendido por agentes que em sua viatura ouviam rádio, e ao invés de usarem o rádio para reduzirem os custos a máquina pública, o agente utilizou um telefone.

Paciente (veículo) foi preso no dia 14/05/2006, e se acha recolhido no pátio da polícia rodoviária estadual norte da ilha Rodovia SC – 401 (próximo à praça depedágio inativa).

Estando o paciente sofrendo coação ilegal em sua liberdade de ir e vir, requer o impetrante a V. Exa. se digne de mandar que o mesmo lhe seja imediatamente apresentado, e de conceder a ordem de HABEAS CARRUM, ou qualquer outro que possibilite a liberação do veículo para que seu dono tenha a oportunidade de efetuar a regularização e manter-se dignamente nesta capital, como de Direito e de Justiça. Nestes termos, Pede deferimento.

Florianópolis, 19 de maio de 2006. (ass). R*** C***.

DECISÃO QUE FULMINOU O "HABEAS CARRUM"

Autos n° 023.06.032015-2
Vistos para decisão.
Trata-se de requerimento elaborado por R*** C*** quanto à possibilidade da liberação de veículo automotor junto ao Detran desta Capital. Muito embora o remédio constitucional de habeas corpus não necessite de capacidade postulatória, nota-se totalmente descabido o requerimento ante a finalidade a que se presta o instituto. O art. 647, do CPP, é claro quando menciona que "alguém" deve sofrer, ou estar na iminência de sofrer, o constrangimento da liberdade e não algo. Ainda, o art. 648, também do CPP, não prevê, dentre as suas, a situação descrita pelo requerente (sequer uso a palavra impetrante).

Não fosse pelo já argumentado, o objeto do presente requerimento não é passível de ser analisado por este Juízo e, como dito, menos ainda pela via escolhida pelo requerente. A mais, quero crer que pelo relato feito na presente e pela falta de conhecimento jurídico demonstrado, que tal situação não se trata de deboche, já que num primeiro olhar soa como gozação e menosprezo ao trabalho do Poder Judiciário, que só nesta seção possui cerca de cinco mil processos para serem tutelados. Nessa esteira, vê-se que o requerente pode ter sua situação bem resolvida se contar com a assessoria de profisional habilitado.

Sem dispender (sic) mais tempo com o presente requerimento, deixando de lado a análise quanto ao demais absurdos jurídicos suscitados, determino que sequer seja atuada a presente peça, providenciando-se sua devolução ao autor do pedido, o intimando (sic) do presente despacho e dando ciência ao mesmo que qualquer outro requerimento desta natureza será visto como acinte a este Juizado Criminal e provocará instauração de termo circunstanciado para apuração de responsabilidade quanto ao exercício ilegal de profissão.

Assim, via Distribuição, cancelem-se os registros. Intime-se. DEVOLVA-SE. Florianópolis, 24 de maio de 2006. Newton Varella Júnior, juiz do Juizado Especial Criminal.

Pois é... E o meritíssimo quase inaugura um novo tipo penal, o do "exercício hilário de profissão".

O caso me lembra quando um estudante de direito veio me mostrar um "mandato" de segurança que estava impetrando em favor de um cavalo que, segundo narrava a exordial, era vítima de maus tratos. Estava eu à porta da sala do juiz, aguardando a instalação de uma audiência. O tal estudante, que até hoje não conseguiu aprovação no exame da OAB, houvera sido meu cliente num passado então recente. Em respeito a ele, recomendei que passasse antes pela sala e pelo crivo do promotor, Dr. Joel, conhecido por sua inabalável polidez, que não iria permitiria que aquele candidato a causídico se expusesse ao ridículo. Se o bem intencionado impetrante tivesse ido direto ao juiz, teria recebido, como despacho, um belo dum coice. Da sala do promotor, saiu apenas relinchando...

Pior foi o caso de um colega, que já contava anos de experiência na advocacia, que, na defesa de um cliente acusado de furtar carneiros, requereu ao juiz a realização de exame de DNA nos animais, para provar que eram os mesmos do furto... Ocorre que a carne já houvera sido doada pela polícia ao asilo da cidade e provavelmente já teria sido devorada num lauto churrasco. Penso que, nesse caso, caberia um "habeas defecum", para fazer exame das fezes dos velhinhos que haviam comido a carne.

Outro nobre causídico ostenta até hoje, na fachada do escritório, placa indicando tratar-se de "escritório de advoGacia".

Isso tudo é sério, eu juro!

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

"Já perdi muito tempo com esta decisão"

Fonte: Jornal Jurid

Recentemente, publiquei neste espaço sentença proferida por um juiz baiano que, em linguagem de crônica, condenava uma grande loja a indenizar um marceneiro que havia comprado um aparelho celular com defeito. Tinha a característica singular de poder ser entendida por qualquer pessoa, por menos letrada que fosse.
Agora publico outra que também exibe caracteres capazes de torná-la referência para outros magistrados - sem entrar no mérito do acerto, ou não, com que agiu seu ilustre prolator.

O juiz Alexandre Morais da Rosa, do Juizado Especial Cível de Joinville (SC), abortou uma ação em que um naturista reclamava R$50,00 que houvera sido obrigado a pagar aos administradores da famosa Praia do Pinho, por conta de dois chuveiros do tipo "lavapés" que seus filhos haviam quebrado. O juiz deixou nu o naturista ao obstar-lhe o acesso à Justiça.

O que chama a atenção na decisão são os fundamentos de que lançou mão o magistrado para estancar o desenvolvimento de uma ação de tão ínfimo valor econômico. Em certa passagem, S.Exª diz que o Poder Judiciário passou a ser "gestor do acesso ao gozo", referindo-se àquilo que chama de "nova maneira de satisfação de todas as vontades, principalmente com novas demandas judiciais". Fala do sentimento geral de vitimização, fazendo uso de uma expressão que tem potencial para se tornar máxima jurídica: "dano moral passou a ser band-aid para qualquer dissabor". Diria eu, sintoma da autocomiseração coletiva, aliás difusa, que vem tomando conta da sociedade. Refere-se a uma certa tendência ao que chama de "direito de conforto", fazendo um paralelo com fenômeno semelhante que vem marcando a medicina. Com outras palavras, conclui que é hora de dar um basta e dizer "não" aos "histéricos da reivindicação".

A questão que se coloca é se deve o acesso à Justiça ceder ao pragmatismo ou se merece continuar navegando no romantismo do mar-sem-fim que é a crença na possibilidade de sua universalização.

O magistrado em tela navega contra a corrente e exerce seu direito de expressar discordância numa discussão esmagada pela "tirania da maioria", para usar palavras dele próprio, referindo-se aos pregadores do "politicamente correto".

Vale a pena perder o precioso tempo para ler esta sentença na íntegra. Por mais que haja "casos muito mais importantes esperando" pela nossa atenção.


"Justifica-se a aceitação de toda e qualquer demanda posta em Juízo?"

Autos n° 038.07.000943-8
Ação: Ação com valor inferior a 40 salários-mínimos/ Juizado Especial Cível
Autor: Marcos Roberto dos Reis
Réu: Complexo Turistico Praia do Pinho Ltda

Vistos, etc.

1 - Marcos Roberto dos Reis promoveu ação contra Complexo Turístico Praia do Pinho Ltda., nos seguintes termos: "No fim do ano no período o requerente ficou hospedado no endereço acima no período de sete dias. Acontece no dia 27 de dezembro o filho do requerente de sete anos de idade quebrou o chuveiro que foi instalado como lava pé no estabelecimento do requerido, e no dia 30 o filho de 04 anos quebrou outro chuveiro. Sendo assim o requerido cobrou o total de R$ 50,00 pelos dois chuveiros quebrados, o qual o requerente pagou e não concordou por o produto era inapropriado para utilização a que se destinava." Requereu, por fim, a devolução da quantia de R$ 50,00.

2 - Por certo o acesso à justiça, difundido por Cappelletti e Garth (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Helen Grace Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988), ganhou um forte impulso com a Constituição da República de 1988 e a criação dos Juizados Especiais Cíveis, apontam, dentre outros, Horácio Wanderlei Rodrigues (Acesso à Justiça no Direito Processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994) e Pedro Manoel de Abreu (Acesso à Justiça & Juizados Especiais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004).

3 - A questão que se apresenta, todavia, é se no Brasil de extrema exclusão social (ALVARENGA, Lúcia Barros Freitas de. Direitos humanos, Dignidade e Erradicação da pobreza: Uma dimensão hermenêutica para a realização constitucional. Brasília: Brasília Jurídica, 1998), em que os recursos e meios para garantia do acesso à justiça são escassos (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001), justifica-se a aceitação de toda e qualquer demanda posta em Juízo?

4 - A resposta, antecipa-se, é negativa. Basicamente por dois motivos: a) Primeiro há uma nova compreensão do sujeito contemporâneo, naquilo que Charles Melman (MELMAN, Charles. O Homem sem Gravidade: gozar a qualquer preço. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003) denominou como "Nova Economia Psíquica", ou seja, desprovidos de referência gozar a qualquer preço passa a ser a palavra de ordem: "A decepção, hoje, é o dolo. Por uma singular inversão, o que se tornou virtual foi a realidade, a partir do momento em que é insatisfatória. O que fundava a realidade, sua marca, é que ela era insatisfatória e, então, sempre representativa da falta que a fundava como realidade. Essa falta é, doravante, relegada a puro acidente, a uma insuficiência momentânea, circunstancial, e é a imagem perfeita, outrora ideal, que se tornou realidade." (p. 37). E isto cobra um preço. Este preço reflete-se na nova maneira de satisfação de todas as vontades, principalmente com novas demandas judiciais. E o Poder Judiciário ao acolher esta reinvindicação se põe à serviço do fomento perverso, sem que ocupe o lugar de limite. Passa a ser um gestor de acesso ao gozo. Se a realidade de exclusão causa insatisfação, se o outro olhou de maneira atravessada, não quis cuidar de mim, abandonou, coloco-me na condição de vítima e reivindica reparação, muitas vezes moral. Sem custas, na lógica dos Juizados Especiais, a saber, sem pagar qualquer preço. Aliás, dano moral passou a ser band-aid para qualquer dissabor, frustração, da realidade, sem que a ferida seja cuidada. Pais que demandam indenização moral porque não podem ver os filhos, filhos que querem indenização moral porque os pais não os querem ver. Maridos e Mulheres que se separam e exigem dano moral pela destruição do sonho de felicidade. Demandas postas, acolhidas/rejeitadas, e trocadas por dinheiro, cuja função simbólica é sabida: pago para que não nos relacionemos. Enfim, o Poder Judiciário ocupa uma função repatória, de conforto, como fala Melman: "O direito me parece, então, evoluir para o que seria agora, a mesmo título que a medicina dita de conforto, um direito de conforto. Em outras palavras, se, doravante, para a medicina, trata-se de vir a reparar danos, por exemplo os devidos à idade ou ao sexo, trata-se, para o direito, de ser capaz de corrigir todas as insatisfações que podem encontrar expressão no nosso meio social. Aquele que é suscetível de experimentar uma insatisfação se vê ao mesmo tempo identificado com uma vítima, já que vai socialmente sofrer do que terá se tornado um prejuízo que o direito deveria - ou já teria devido - ser capaz de reparar." (p. 106). Para este sujeito que reinvindica tudo histericamente é preciso dizer Não. b) Segundo: pelos levantamentos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um processo custa, em média, mil reais. Sobre isto é preciso marcar alguma coisa. Por mais que discorde da base teórica lançada por Flávio Galdino (GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005), não se pode negar que o exercício do direito de demandar em Juízo "não nasce em árvore." O manejo de tal direito pressupõe um Poder Judiciário que dará movimentação ao pleito, com custos alarmantes e questões sociais sérias emperradas pela banalização do Direito de Ação. Neste Juizado Especial Cível (Joinivlle - SC), existem cerca de 25.000 (vinte e cinco mil) ações em tramitação. Um único juiz. Impossível que se promova, de fato, a garantia do acesso à Justiça, ainda mais quando o sujeito quer satisfazer judicialmente questões de outra ordem, na lógica do: não custa nada mesmo; irei incomodar o réu.

5 - É o caso dos autos. O autor reconhece que estava com seus filhos de 07 e 04 anos no Camping da Praia do Pinho, local destinado ao naturismo, com acesso e freqüência à praia de nudismo (http://www.praiadopinho.com.br/site/camping.php), quando estes quebraram o lava pé. Por acreditar que não era apropriado pretende o dinheiro - 50 (cinqüenta) reais. O genitor é responsável pelos atos, inclusive de vandalismo, de seus filhos, na forma do art. 932, I, do Código Civil. Não nega que seus filhos, no camping, na praia de nudismo, quebraram, por duas vezes, o lava pé. Não concorda e quer a devolução dos dinheiro pago. O pleito é absolutamente abusivo, sem fundamento e, se mantida a audiência de conciliação, implicará no deslocamento do réu até Joinville, com investimento maior do que o pretendido. Dito de outra forma, além de manifestamente improcedente, os custos gerais (Judiciário e parte contrária) são muito maiores do que o objeto pretendido. Roberto Carlos de Oliveira, aguerrido Defensor Público da União, em monografia sobre o tema, conclui, com acerto: "Não se pretende com este trabalho difundir a vedação do acesso à Justiça àqueles que vêem o Judiciário como última esperança na solução de seus litígios; muito pelo contrário. Pretende-se, na verdade, buscar a otimização da entrega da resposta judicial. E isso, em nosso entendimento e em sede de Juizados Especiais Cíveis, passa obrigatoriamente pelo condicionamento do acesso à Justiça (strictu sensu)."

6 - O preço perverso da ausência de limites implica na abolição do não, de partir para o ato desprovido de instâncias repressivas. Em nome do "politicamente correto", da democracia, da autonomia liberal, do irrestrito acesso à Justiça, da alteridade extremada, tudo é possível. A tarefa parece ser dizer não para que não nos tornemos co-responsáveis. Isto é, a tirania da maioria esmaga uma discussão em que se discorda, tudo em nome do politicamente correto. Uma das primeiras coisas que se deve aprender na vida é que há troca. Gente que vive sem troca é solta, sem gravidade, aponta Melman. Reivindica histericamente por tudo e todos. Nada está bom. É irresponsável por seus atos, sempre se acha vítima. É preciso que o Judiciário dê um basta. Fico por aqui porque já perdi muito tempo nesta decisão. Há casos muito mais importantes esperando...

Por tais razões, julgo extinto o feito, na forma do art. 267, VI, do CPC, pela manifesta ausência de interesse de agir. Sem custas. P. R. I. Transitada em julgado, arquive-se Joinville (SC), 30 de janeiro de 2007. Alexandre Morais da Rosa, juiz de Direito
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Com as vergonhas escondidas por folhas rasgadas de livros jurídicos, o autor ainda pode interpor recurso às Turmas Recursais Cíveis. Leia a Sentença

Fonte: Extraído do site www.espacovital.com.br.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Lojas Marisa condenadas em R$ 30 mil por revista constrangedora

14/02/2007 06h03

A estratégia de uma gerente para identificar a autora de uma brincadeira de mau gosto no banheiro de uma loja custou à rede Marisa Lojas Varejistas Ltda. a condenação ao pagamento de R$ 30 mil por dano moral a uma vendedora. A decisão foi mantida depois que a Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento (rejeitou) a agravo de instrumento da empresa. O ministro João Oreste Dalazen rejeitou a pretensão da defesa de adotar o tempo de serviço e o salário da empregada como parâmetros para a fixação da indenização.

O episódio aconteceu numa das lojas Marisa em Porto Alegre (RS). De acordo com a petição inicial da reclamação trabalhista, após encontrar um absorvente higiênico colado na parede do banheiro da loja, uma das gerentes teria procedido a uma revista íntima das funcionárias e em seus armários, a fim de identificar aquelas que estariam fazendo uso de absorvente. Segundo os depoimentos colhidos pela Vara do Trabalho, cerca de 20 empregadas estavam no banheiro quando a gerente disse que faria as revistas. “Cada uma mostrava o armário e depois baixava as calças, na frente de todas as outras funcionárias”, registra um dos depoimentos.

Algumas depoentes disseram que algumas se sujeitaram espontaneamente à revista, e que “estava uma algazarra no banheiro”. O fato foi denunciado ao sindicato da categoria e ao Ministério do Trabalho, e várias reuniões foram realizadas na tentativa de solucionar o impasse. O valor fixado pela Vara do Trabalho para a indenização foi de R$ 52 mil. A rede Marisa recorreu contra a condenação ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), sustentando que a gerente não coagiu qualquer funcionária a tirar a roupa e que “o fato foi tomado como brincadeira”.

Para o TRT/RS, porém, “a existência do constrangimento é manifesta e é revelada pelas testemunhas da própria empresa, ainda que algumas colegas possam ter enfrentado o fato em clima de brincadeira e algazarra”. O Regional manteve a condenação, mas reduziu o valor para R$ 30 mil, negando seguimento ao recurso da Marisa ao TST, o que motivou o agravo de instrumento. Nas razões do agravo ao TST, a rede de lojas alegou que o valor “não teria observado os critérios de proporcionalidade e razoabilidade”, já que a empregada teria trabalhado pelo período de um ano, com salário de R$ 433,00. A empresa pretendia a aplicação analógica dos critérios fixados no artigo 478 da CLT, relativo à rescisão de contrato por prazo indeterminado, que prevê indenização em quantia igual à maior remuneração do empregado, multiplicada pelo número de anos igual ou superior a seis meses de serviço.

Para o ministro João Oreste Dalazen, esse critério é “indefensável”, pois importa “malbaratar os bens preciosos da personalidade” ofendidos pelo dano moral. “Vinculado o valor ao tempo de serviço, obviamente deprecia-se o dano moral causado ao empregado mais recente, consagrando o critério esdrúxulo e simplista de valorar mais ou menos os bens espirituais da pessoa ao sabor da antigüidade e da maior ou menor remuneração”, afirmou. O relator ressalta que, “sob tal ótica, além de o valor geralmente não inibir novas agressões, chegar-se-ia ao absurdo de o empregado com menos de um ano de serviço não fazer jus a compensação alguma pelo dano moral, porque igualmente não seria beneficiário de indenização por antigüidade (artigo 478, § 1º da CLT)”.

O TRT/RS, ao estipular a condenação em R$ 30 mil, “pautou-se pelos critérios de razoabilidade e de proporcionalizada, pois, da forma como foi fixada, a indenização atende às finalidades buscadas pela lei e pela Constituição, ou seja, a satisfação da vítima e a punição do agente por prática de ato ilícito”, concluiu Dalazen. (AIRR 813/2004-030-04-40.6)

Fonte: TST

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Grande advogado

"O que quer dizer 'grande advogado'? Quer dizer advogado útil aos juízes, para os ajudar a decidir de acordo com a justiça, e útil ao cliente, para ajudar a fazer valer as suas razões. Útil é o advogado que fala apenas o estritamente necessário, que escreve clara e concisamente, que não estorva o pretório com a grandeza da sua personalidade, que não aborrece os juízes com a sua prolixidade nem os põem desconfiados com as suas sutilezas - isto é: exatamente o contrário do que certo público entende por 'grande advogado'."(Piero Calamandrei)

Fim dos calhamaços

Justiça brasileira quer abolir o papel em até cinco anos

Acredite quem quiser. Até 2012, todos os novos processos que ingressam na Justiça brasileira - cerca de 20 milhões por ano - devem ser exclusivamente em meio eletrônico. Essa é a meta perseguida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o objetivo de modernizar e agilizar o Judiciário brasileiro.

O CNJ desenvolveu, em software livre, um sistema de tramitação eletrônica de processos que já começou a ser repassado, sem custos, aos tribunais. Em 2007, o Conselho pretende investir até 100 milhões de reais para apoiar com equipamentos e serviços os tribunais que tenham dificuldades financeiras na implementação do processo virtual.

"Por determinação da presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie, o esforço por tornar realidade a virtualização dos processos é prioridade para o conselho", informa o secretário-geral do CNJ, juiz Sérgio Tejada.

Uma nova etapa da implementação do sistema se realiza no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro nesta quinta e sexta-feira, dias 18 e 19, numa reunião do CNJ com tribunais de Justiça de todo o País que já estão em fase de implantação do sistema. O objetivo do encontro é trocar experiências e discutir a montagem de uma agenda comum.

A justiça trabalhista brasileira é exemplo de eficiência na exploração do meio eletrônico, especialmente da Internet. Até as atas contendo a íntegra dos depoimentos das partes e das testemunhas já são disponibilizadas pela rede. Já a justiça estadual paulista... Basta ver a precariedade que é o portal do Tribunal de Justiça.

Baseado em nota publicada no Âmbito Jurídico

Lei "Jack Bauer"

Já está em vigor a alteração do artigo 306 do Código de Processo Penal.

Por força da modificação, a polícia agora terá que comunicar imediatamente a prisão de qualquer pessoa, assim como o local onde se encontre presa, ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa que ele indicar.

Por "imediatamente" entenda-se o prazo de 24 horas depois da prisão. Nesse espaço de tempo, deve ser encaminhado à justiça o auto de prisão em flagrante com todas as provas testemunhais colhidas.

Se o preso não informar o nome de seu advogado, no mesmo prazo deverá ser enviada cópia integral dos autos para a Defensoria Pública.

Parece pouco, mas 24 horas é o quanto trabalha por ano o "herói" americano Jack Bauer, naquele que é o seriado mais sisudo e sanguinário da televisão, em que a quantidade de sorrisos é inversamente proporcional à produção de cadáveres de cada episódio... Ou seja, é tempo suficiente para acontecer um bocado de coisas.

Ficções à parte e voltando os olhos para a realidade tupiniquim, vede a íntegra da Lei Federal n° 11.449