Do ConJur
Antigamente, ser progressista significava defender direitos e
garantias além dos previstos no ordenamento jurídico e efetivados por
decisões. Contudo, a hegemonia atual do discurso de ódio, que prega a
punição a qualquer custo, faz com que aqueles que cumprem a lei sejam
considerados de esquerda. Essa é a avaliação do juiz da Vara de Execução
Penal de Manaus, Luís Carlos Honório de Valois Coelho.
“O
discurso de ódio que tem prevalecido tornou o cumprimento da lei
irrelevante. As pessoas não estão mais preocupadas com o cumprimento da
lei, desde que a pessoa seja punida, fique presa. As pessoas falam com
orgulho que os presos têm que morrer. Esse discurso, um discurso
pró-violação da lei, faz com que as pessoas que sejam legalistas
aparentem ser progressistas, de esquerda. Cumprir a lei hoje em dia é
perigoso”, afirma.
Ele sabe do que está falando. Notório defensor
do direito de defesa e dos direitos humanos, Valois atraiu os holofotes
da opinião pública por ter negociado com presos durante a rebelião no
Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, que se iniciou
no dia 1º de janeiro e terminou com a morte de 56 presos, muitos
decapitados. Logo em seguida à revolta, contudo, jornais apontaram que
ele era suspeito
de ter ligações com a Família do Norte (FDN), facção responsável pelo
massacre. A acusação, baseada em uma operação da Polícia Federal
iniciada porque detentos mencionaram seu nome em uma conversa
telefônica, rendeu-lhe ameaças de morte pelo Primeiro Comando da Capital
(PCC), rival da FDN, e a pecha de “defensor de bandidos” em setores da
imprensa e das redes sociais.
Experiente na resolução de motins de
detentos, ele credita a calma que mantém durante as tratativas aos anos
de prática de judô e jiu-jitsu, que exigem um alto nível de
concentração. Porém, nem sempre as negociações acabam bem. No dia 1º,
Valois passou cerca de seis horas no Compaj, e conseguiu a libertação de
três dos 10 reféns, além da promessa de que outros dois seriam soltos
às 7h do dia 2. O juiz então foi para casa, e voltou no horário
combinado. Mas quando entrou no presídio, viu que já não havia mais nada
para se mediar. As galerias estavam apinhadas dos “restos da barbárie” —
braços, pernas, corpos sem cabeça e corpos carbonizados.
Esse
nível de brutalidade foi inédito até para ele, que já comandou um acordo
com detentos em meio a 12 corpos e poças de sangue. “Mas [naquela ocasião] não tinha nenhum corpo como os que encontrei dessa vez, sem cabeça, sem braço. Isso eu nunca tinha visto”.
A rebelião de Manaus deu início a uma onda
de assassinatos em penitenciárias que já contabiliza 134 vítimas em
2017. Para remediar essa situação, o presidente Michel Temer anunciou
a construção de novos presídios. No entanto, o juiz do Amazonas opina
que essas medidas são paliativas. A seu ver, a crise carcerária e a
criminalidade só serão efetivamente resolvidas quando o uso e o comércio de drogas forem regulamentados.
Com isso, as 174.216 pessoas condenadas por vender entorpecentes
deixariam os presídios (28% dos 622.202 detentos do Brasil), as facções
se enfraqueceriam sem o dinheiro ilegal vindo do tráfico e a polícia
poderia se concentrar em prevenir crimes mais violentos, como roubo e
homicídio, destaca Valois.
O juiz também critica aqueles que
declaram que a operação “lava jato” está diminuindo as garantias dos
acusados no Brasil. Segundo ele, o direito de defesa já está rebaixado
há muito tempo. “O Direito Penal real não é o Direito Penal da 'lava
jato'. O Direito Penal real é muito mais violador do que o da 'lava
jato'."
Em entrevista à ConJur, Valois ainda
sustentou a ineficácia da prisão, declarou que o ensino jurídico ficou
muito técnico e disse ser contra presídios administrados por entidades
privadas.
Leia a matéria e a entrevista clicando aqui.
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